A história da internet de 1997 a 2000

Como a internet chegou aqui?

História da Internet
História da Internet

A história da internet, ou melhor, a MINHA história com a internet começa assim. Em cima da mesa, uma caixa de placa de modem 36Kbps vazia, no chão meu pai terminando de fechar o gabinete do computador. O velho está felicíssimo, terminando de instalar uma placa de modem, enquanto aponta para a embalagem de plástico com disquetes e o CD de um tal de SOL (SBT Online). Uma dinâmica comum entre nós nessa época, ele fazia a instalação do hardware enquanto eu cuidava dos respectivos pormenores de instalação de drivers e softwares.

 

 

Em meados de 1997, ocorreu um evento divisor de águas na minha adolescência, eu estava prestes a experimentar pela primeira vez o acesso Dial Up a rede internacional de computadores, algo que mudaria a minha vida para sempre (assim como o mundo).

Para transmitir melhor o significado disso pra mim, existe uma necessidade de contexto, que resumidamente seria algo do tipo:

Adolescente de quatorze anos em um novo colégio onde os interesses não eram os mesmos da demografia ao redor do seu ano letivo, que por sua vez alienava qualquer indivíduo que não tivesse interesses declarados em certos tópicos, que obviamente não eram videogames, nem revistas sobre videogames e nem outras coisas que geralmente acompanham esse segmento de interesses (quadrinhos, rpg, anime, filmes de ficção científica etc).

O acesso a internet mudou drasticamente uma série de percepções sobre tudo isso, além de ter tornado o sentimento de solidão, um pouco menos solitário.

 

Aprendendo a Internet (1997 a 2000)

No começo, era um pouco complicado entender o que fazer com o acesso a internet. Era tudo mato.

Aqueles segundos de uma sinfonia eletrônica estridente insuportável, no começo assustadora e posteriormente anúncio de momentos incríveis que iriam seguir, o ritual de se conectar a internet, na época onde isso era opcional, era marcada por essa sinfonía alienígena.

Não existiam sites de busca com a tecnologia e escopo do que conhecemos hoje em dia. E além disso, esse conceito de sites que buscam outros sites não era algo óbvio para alguém que estava entrando em contato com isso pela primeira vez, ou melhor, não era algo óbvio para ninguém nesse momento.

Nas primeiras semanas usando a internet, o que eu mais fiz era tentar acessar sites de coisas que eu conhecia, e que provavelmente, tinham sites. Como site da Nintendo, Sony, Metallica, Capcom, Universal, Disney etc. Basicamente sites de empresas, bandas ou filmes.

Até que um dia alguém me introduziu ao conceito de chat online, no relativamente mainstream “site da uol”, onde existia o bate-papo online com diversas categorias, onde de diversas tentativas de encontrar algo, me encontrei no segmento “por idade”.

Existiu um curto período de lua de mel com esse tipo de site. Desenvolvi uma certa ilusão, a de estar “fazendo amigos”, só que não.

Não era algo muito relacionado a intensidade das interações, que se alternavam entre muito efusivas e pessoais ou extremamente “conflituosas”. A frequência de apelidos usados ali eram muito voláteis, tornando a possibilidade de reencontrar alguém de novo nesses lugares muito improvável, considerando que estava numa etapa pré-mIRC ou pré-ICQ). A maioria das interações eram com pessoas diferentes, na maioria das vezes, não existia uma retenção de contatos por assim dizer. A contribuição mais valiosa dessas salas de bate-papo, além de toda sorte de dicas e macetes de acesso e segurança, com certeza foi a descoberta dos primeiros sites de busca. Sendo o “altavista” (que futuramente seria adquirido pelo Yahoo) o primeiro que eu usei.

Altavista por volta de 1999
Altavista por volta de 1999

Com essa ferramenta, as descobertas que começaram a acontecer inauguraram o sentimento mais incrível utilizando a internet nesse período. Aquele de estar investigando ou desvendando algo escondido, algo que ninguém mais sabe que existe, pelo menos ninguém que eu conhecia fora do computador.

Centenas de sites com coisas que eu amava. Artes oficiais e guias de jogos, artes de quadrinhos, temas para windows 95, screenshots de jogos que eu nunca tinha visto na minha vida, galerias de músicas no formato MID e obviamente, sites de conteúdo adulto. Aqui, uma navegação muito intensa podia te levar de um lugar conhecido e relativamente seguro, para um buraco escuro e assombrado em alguns cliques. O entrosamento com antivírus foi algo que aconteceu bem rápido aqui, pois eu passeava por todo tipo de “escuro e assombrado”, principalmente pela sensação de perigo.

Nas cavernas mais escuras você encontrava os downloads mais (i)legais e uma amostra quase que infinita de infecções digitais. Lembro de situações onde meu pai me dava um prazo de 1 dia para “desfazer” alguma encrenca que eu, mais do que costumeiramente causava, ao fazer download de executáveis duvidosos, como protetores de tela ou “jogos completos”.

Os indexadores de sites na sua infância, cobriam uma parte minúscula de tudo que era possível encontrar na internet 1.0. E nessa lacuna, os fansites na angelfire ou geocities, que tinham o costume mágico de participarem dos “webrings”, entregavam lugares mais escondidos.

Webring de RPG
Webring de RPG

Webrings eram basicamente listas de links para outros sites que participavam do mesmo webring, que na maioria das vezes nem estavam indexados no site de busca.  Administrados pelos “ringmasters”, que recebiam os cadastros e avaliavam se o site possuía características pertinentes à temática do webring para sua inclusão.

Funcionamento de um Webring
Funcionamento de um Webring

A navegação pelos webrings era o mais perto, do dali futuro e hoje extinto, “stumble upon”, onde a descoberta de novos sites era mais gratificante, pois existia essa sensação constante de ser uma espécie de detetive ou arqueólogo, lentamente descobrindo um mistério ou alguma civilização esquecida e enterrada. Nos webrings foi onde descobri coisas como Evangelion, jRPGs e editores de mapas para Doom e Duke Nukem por exemplo. Em 1997, era mais difícil entrar em contato com isso de maneira “offline”. 

Atualmente, você pode acessar esse webring ou esse outro aqui, para ter uma idéia aproximada de como funcionava.

A variedade de estruturas, estilos, mentalidades e ideias que existiam em cada site era um ponto marcante dessa fase da internet. Não existia ali nenhum parâmetro visual específico ou padrão de construção dessas páginas. Tudo passava uma sensação de ser extremamente pessoal. A internet tinha a cara de algo “feito a mão”, feita por diversas mãos, imprimindo seu estilo ou sua limitação técnica do que era possível ser feito. Nada era feito com objetivo de monetizar, não existia nenhum tipo de monetização desse contexto.

Site do geocities médio no final dos anos 90
Site do geocities médio no final dos anos 90

Acredito que era o mais inclusivo e democrático, dentro do que é possível ser inclusivo e democrático (considerando o requerimento material do computador e periféricos), que a internet já foi.

Em 1998, com ICQ recém descoberto, começava a acumular alguns contatos, sendo a grande parte deles, pessoas que já conhecia “no mundo real” e começaram a acessar a internet nessa época. (Apesar de ter testado o mIRC nessa época também, eu não iria descobrir o potencial total dele até meados de 2002).

ICQ 99
ICQ 99

Com 15 anos, existia alguma dinâmica com a conversa escrita que parecia derrubar alguns receios, e toda interação virtual, parecia ter mais profundidade do que as conversas ao vivo. Era algo bem paradoxal observando em retrospecto. Como algumas coisas não eram faladas em voz alta, em público, enquanto no ambiente digital, expor certas opiniões era mais fácil. Receios e preocupações, o que você achava de fulano ou ciclano etc. Conversas de horas com pessoas pelo ICQ, que na vida real, eu apenas cumprimentava.

Nesse período, tive minha primeira experiência com jogos online, no caso, Diablo 1, que lembro de passar sábados inteiros jogando com amigos ou com estranhos, conversando nesses ambientes sobre o próprio jogo, outros jogos e a vida de forma geral.

Diablo 1 Battle net
Diablo 1 Battle net

Existia uma certa simplicidade, e talvez, uma maior inocência nessa fase de jogos online, a conversa nunca era sobre ser o mais forte ou saber jogar melhor, eram interações mais “cruas”, mais objetivas no contexto do jogo. Se ajudar ou duelar (muitas vezes um pouco de cada), enquanto perguntava-mos como se fazia isso ou aquilo.

“Como que faz para duplicar um item?”

Lembro que em 99, após uma tempestade, a placa do modem queimou. Fiquei sem acesso por talvez 1 mês, que quando se tem 16 anos, parece muito mais.

Mas o período de hiatus não durou tanto, considerando que meu pai também estava achando essa coisa de internet muito legal. 

Um pouco antes das férias de julho, o computador estava apto a acessar a internet novamente, agora com uma placa de 56Kbps, muito oportuna para o novo brinquedo que estava prestes a surgir na minha vida, a primeira rede de compartilhamento Peer to Peer, também conhecido como Napster.

U.S. Robotics 3CP2977OEM Modem 56Kbps PCI Bus
U.S. Robotics 3CP2977OEM Modem 56Kbps PCI Bus

Com uma galeria de músicas “infinita”, e taxas de transferências proibitivas, baixar apenas uma música era um exercício de paciência. Em suas primeiras versões, o Napster não tinha nenhum tipo de função que permitia pausar um download para continuar em outro momento. Ou você conseguia baixar tudo de uma vez ou não baixava, o arquivo voltava ao 0% toda vez que a conexão era perdida.

Napster (1999)
Napster (1999)

Lembro da euforia de conseguir baixar a primeira MP3, a abertura de Dragon Ball em japonês, depois de dias tentando. Parece idiota, mas ter acesso a certas músicas nos anos 90, como por exemplo aberturas de animes originais, envolvia ter acesso a lojas que vendiam esse tipo de coisa ou conhecer algum amiguinho com esse acesso que gravasse a música em uma fita k7.

Emulador de Super Nintendo ZSNES
Emulador de Super Nintendo ZSNES

Nessa época, os emuladores das primeiras gerações de videogames estavam ganhando popularidade, principalmente os de Super Nintendo (ZSNES), que apareciam em sites acompanhados de inúmeras ROMs de jogos com lançamento exclusivo no japão, traduzidos por fãs. Na minha cabeça, não existia como a internet ficar melhor do que ela era. Acredito que minha primeira lembrança de uma fantasia, que futuramente viria se tornar um pesadelo, aconteceu nessa época.

“Eu queria ter a internet comigo 24h, levar ela para todo lugar, estar sempre conectado”.

Entre 99 e 2000, naquele momento onde tudo que se dizia sobre o bug do milênio se mostrou um punhado de nada, o volume de arquivos que eram baixados aumentou drasticamente, por conta do P2P e por ter descoberto um programa chamado “getright”, que permitia o download de arquivos em múltiplas sessões, dava para pausar e continuar sem perder o progresso do arquivo. Acredite, esse tipo de mágica não era tão comum nos navegadores padrão nessa época.

Além de músicas e trailers de filmes, o fantástico mundo de demos e sharewares se tornou acessível com uma velocidade um pouco melhor e um programa de gerenciador de downloads.

E junto disso tudo, as primeiras restrições de uso em casa. As reclamações sobre conta telefônica que só aumentava e a descoberta do pulso único após a meia noite alterou minhas noções de dia e noite.

Lembro de voltar de sessões de RPG depois da meia noite, e ainda, furtivamente,  me esgueirar para o escritório do meu pai, ficar o máximo da madrugada que fosse possível (até minha mãe escutar algo, e ir lá arrancar os cabos da parede me despachando pro quarto) navegando na internet, conversando no ICQ e ouvindo músicas que só conseguia acessar pelo advento P2P.

Agora com um gravador de CD de 4 velocidades, adquirido de segunda mão, montar e “queimar” CDs com as músicas baixadas do Napster era uma atividade constante.

 

Esse texto é um segmento de um projeto que fala sobre crescer com a internet. Um recorte do final dos anos 90 até os dias atuais. A primeira parte pode ser encontrada aqui. E futuramente, mais pedaços desse projeto vão aparecer neste blog.

Picture of Ved

Ved

Alguém com relativo tempo livre para escrever umas coisas aí.
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Ved

Alguém com relativo tempo livre para escrever umas coisas aí.

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