Dot com Bubble, Persona online e comunidade – A internet entre 2000 e 2003

Eu não percebi a “DOT COM BUBBLE” até ler sobre isso anos depois

dot com bubble

Em 2000 eu estava concluindo o ensino médio, e apesar do “dot com bubble”, o cenário para quem usava a internet para os fins aqui descritos não sofreu tanto impacto (visível), sendo mais um episódio, de muitos, na esfera “stock market.” Também conhecida aqui como “A bolha da internet“, foi um fenômeno especulativo que ocorreu entre 1994 e 2000.

Durante esse período, houve uma valorização excessiva das ações de empresas de tecnologia e internet, impulsionada pelo otimismo dos investidores e pela crença de que o setor teria crescimento ilimitado. O auge da bolha aconteceu em 10 de março de 2000, quando o índice Nasdaq atingiu mais de 5.000 pontos. No entanto, a falta de fundamentos sólidos levou ao colapso do mercado, resultando na falência de diversas empresas e na perda de bilhões de dólares.

No ano seguinte começando, um curso pré-vestibular de 6 meses, no objetivo do prédio da Gazeta na Avenida Paulista, oportunamente muito próximo das falecidas Monkey da Alameda Santos e Sports Arcade, sob uma pertinente confluência de ser “acelerado” a escolher e a prestar um vestibular “pra valer” logo saindo do colégio, e o contato com o ambiente da Cidade de São Paulo, que diferente de Cotia, possuía vastas opções para fazer tudo, menos estudar.

Fui introduzido por um amigo (que também era meu vizinho) ao conceito de LAN HOUSE e a umas coisas chamadas TEAM FORTRESS e COUNTER STRIKE. Para não dizer que eu só matava aula, eu dava devida atenção às matérias que eu era terrível, como álgebra, física e qualquer outra coisa que envolvia fórmula e cálculos. Tinham dias que chegava na paulista às 6h30 da manhã, e ficava no escadão com um pessoal, igualmente febril, esperando a Monkey abrir, e ficar o dia quase inteiro jogando de tudo. Algumas vezes revezava com a Sports Arcade, para jogar Dungeons & Dragons Shadows Over Mystara e Street Fighter 3.

shadows over mystara

Graças às amizades e influências da Monkey, naquele momento oportuno e adequado de “estudos e dedicação acadêmica”, eu entrei em contato pela primeira vez com um gênero de jogo online, um RPG onde centenas de pessoas podem interagir simultaneamente num mesmo ambiente virtual, conhecido como MMORPG.

Ultima Online era algo plenamente inacessível para alguém que tinha acabado de conseguir um modesto trabalho entregando pizza de fim de semana. Mas graças ao empenho de nobres seres humanos, mais versados na arte da “viabilização open source”, consegui experimentar o jogo através de um (extinto) servidor privado chamado TFG ou “The Fifteen Gems”.

UO Gateway The fifteen gems

Nessa época, minha atenção na internet começou a se direcionar para apenas duas atividades. Jogar Ultima Online e frequentar fóruns como o Hangar Network, HardMob e o próprio fórum do servidor TFG.

Inevitavelmente fui exposto a radiação (hoje pervasiva) da retórica digital. Não existia nenhuma conversa isenta de algumas tijoladas e trocas de extensivo vocabulário impróprio. Não bastava expor seu ponto de vista, era necessário massacrar todo aquele que não estava exatamente alinhado com o que você pensava. Lembro de investir quase o dia inteiro numa única discussão, que de tanta importância, eu nem me lembro sobre o que era o assunto.

O maior benefício dessa atividade era com certeza o exercício da escrita, sob o julgamento gramatical mais intenso do que qualquer curso pré-vestibular. Qualquer escorregão, e todo o argumento se voltava à sua “incapacidade de ler e escrever corretamente”, consequentemente “interpretar”. Eu jamais imaginaria que um dia, essa retórica seria uma espécie de “líquido amniótico” que preenche todo o espaço digital.

Em alguns meses, Ultima Online começou a prender minha atenção por motivos diferentes. Era um jogo de RPG onde você melhorava seu personagem repetindo ações, ao invés de gastar determinados pontos de experiência nos seus atributos. Então a “gameplay” começou a acontecer quase que 100% através de programas de macros e automações. Estranhamente, essa prática era tão inerente ao Ultima Online, que ninguém chamava de “boting” (um termo designado a certos tipos de automações em outros jogos desse gênero, geralmente muito mal visto, e ironicamente seria a raiz da falência da internet atual).

Ultima Online
Ultima Online era feio. Mas era fantástico.

O fórum de internet foi um ambiente diferente das salas de bate papo do final dos anos 90, com maior possibilidade de formar e manter amizades, acredito que parte disso pela própria natureza da sua proposta. As conversas não desapareciam de sessão a sessão.

Mas tudo ficava catalogado em tópicos em ordem de postagem e última interação, e assim, você conseguia chegar num forum e ir se localizando no tipo de discussão que normalmente acontecia ali, assim como acessar dezenas de tópicos com links para coisas que ainda não eram muito bem indexadas nas ferramentas de busca (nessa época eu já usava o Google que estava ganhando mais destaque dentro das ferramentas de busca, mas ainda não era o behemoth que é hoje).

As animações em flash eram dentre vários, o tipo de conteúdo mais compartilhado. Lembro que também por ali, começava a se popularizar os sites com essa tecnologia (Flash). Sites com animações, música, introduções e geralmente pesados demais para o computador médio nessa época. 

Esse foi um momento que me marcou muito por começar a ter uma percepção de que tudo que você fala na internet, fica arquivado e pode ser visto a qualquer momento. Essa ideia com certeza me fez pensar mais de uma vez antes de escrever o que eu escrevia até ali. 

Com a entrada na faculdade (Design gráfico / Design digital) e a chegada da conexão ADSL, descobri um tesouro chamado TORRENT, que abriram as portas para todos aqueles animes (que eu só conseguia assistir 4 capítulos iniciais nas fitas que me emprestavam cópias de fitas de eventos) e aos filmes e documentários desaparecidos de locadoras.

A internet em si estava relativamente estável em suas mudanças, comparado aos anos entre 97 e 2000. Tudo era meio que muito parecido, só que mais rápido, “mais bonito” e relativamente melhor. Os fóruns, os jogos, os sites etc. 

Entre 2000 e 2003, existiu um semi hiatus com a internet pra mim, muito pelo motivo de ter feito muitas novas amizades na faculdade e por trabalhar meio período numa agência que tinha acesso à internet restrito. Lá,  era produzido aquele tipo revista acompanhada de CD-ROM, eu no caso, desenhava a interface e fazia tratamento de imagens.

Revista com CD-ROM
Era tipo uma dessas. Só que de conteúdo 18+

Na faculdade, lembro de passar algumas tardes inteiras numa das salas com os computadores mais poderosos, jogando todo tipo de jogo multiplayer. Existiam mais opções de transferência P2P que proliferaram no vácuo do Napster (que não resistiu ao volume de processos relativos a direitos autorais que diversas gravadoras e artistas movimentaram), como Kazaa e Emule. Muita coisa envolvendo o onze de setembro inundava todo tipo de discussão online, onde muitas vezes você era exposto inadvertidamente a imagens muito terríveis.

No final de 2003 consegui meu primeiro estágio (sério) na área de Design, consequentemente todo o tempo que passava na faculdade com os amigos sumiu. Com isso, a internet voltou a ser um espaço extremamente frequentado por um Ved entediado no trabalho.

Por conta do consumo de anime que aumentou graças ao Torrent, acabei entrando em fóruns sobre o tema e redescobri o mIRC nesse contexto de comunidade e, obviamente, mais downloads “open source”. Aqui, uma espécie de terceira era de amizades “online” começou. Eu dou ênfase aos fóruns porque, pasme você, foi nesse ambiente onde conheci minha esposa (estamos juntos a 13 anos, mas nos conhecemos nesse contexto em meados de 2003).

Blogs e outros sites que são considerados os protótipos do que viriam a ser as redes sociais surgem nesse momento, como o Fotolog e MySpace.

Lembro que quase todo mundo que eu conhecia tinha pelo menos um Blog ou um Fotolog, ou ambos.

Ter uma persona online, ou personas online, era algo comum. Mas não de um jeito planejado ou consciente, como é essa “curadoria do seu VOCÊ SA online” que acontece hoje em dia em lugares como Instagram ou Linkedin. Era algo mais orgânico, menos pretensioso. As pessoas no fundo, queriam ser vistas como legais e boas amizades, e essas intenções permeavam sua postura no mundo virtual. Uma frase recorrente era “você é diferente ao vivo”, algo que já ouvi e já disse, assim como quase todos que conhecia, mas não de um jeito ruim, apenas “diferente”.

O mundo online tinha esse “sabor” de terceiro lugar. Não era algo amplamente adotado, sendo uma atividade relegada a pessoas que ou trabalhavam com isso ou muito interessadas em coisas tidas como “nerd” ou “geek”, reunindo em sua maioria pessoas com hobbies e paixões muito semelhantes. Então existia certa honestidade nas intenções da interação, afinal se alguém estava lá onde você estava, procurando e consumindo coisas que você também gostava, então logicamente era um amigo em potencial.

 

Esse texto é um segmento de um projeto que fala sobre crescer com a internet. Um recorte do final dos anos 90 até os dias atuais. A primeira parte pode ser encontrada aqui. E futuramente, mais pedaços desse projeto vão aparecer neste blog.

Picture of Ved

Ved

Alguém com relativo tempo livre para escrever umas coisas aí.
Picture of Ved

Ved

Alguém com relativo tempo livre para escrever umas coisas aí.

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