Green Knight é um filme baseado num conto anônimo, onde o protagonista é um dos cavaleiros secundários ou menos conhecido do universo “Arturiano” (dos livros das Brumas de Avalon). Eu admito que conheço bem menos do que gostaria sobre esse universo, mas o filme não solicita tanto conhecimento sobre para entender a narrativa ali. No máximo, se você teve contato com outros artefatos midiáticos baseados nessa literatura, você vai enxergar os outros personagens lá, os mais importantes e etc.

Gawain (Dev Patel), é sobrinho do Rei Arthur, e mais jovem e inexperiente do que os demais cavaleiros e lendas que cercam o dia a dia do núcleo de personagens.

O roteiro faz um ótimo trabalho em apresentar de forma sutil o quão jovem Gawain está e igualmente o quão ansioso está para se provar aos demais como adulto. A jornada começa durante uma ceia de natal, onde um convidado inesperado surge, propondo um jogo/desafio aos participantes do jantar. Gawain, num impulso de se mostrar valoroso e capaz, aceita o convite, que basicamente dá início a um enigma/aventura que deverá conquistar dentro de um ano, na mesma data onde o convite foi feito.

O que eu consigo descrever a grosso modo como uma fusão de um clássico enredo de jornada do herói com gênero coming-of-age, que não possui uma tradução oficial, Green Knight é um daqueles filmes bem lentos e reflexivos, ricos em metáforas e semióticas. Fala muito sobre mortalidade humana e o processo de se tornar ciente desse destino que todos compartilham. O enredo trabalha um recorte onde Gawain está nesse período transitório entre jovem adulto/adolescência tardia para fase adulta, onde geralmente ocorre maior seriedade em entender seu próprio propósito e papel no mundo.

Juntamente a esse entendimento da própria mortalidade e do sentimento de que o tempo é limitado, o roteiro traz diversos aspectos do amadurecimento de um jovem para um adulto, não só no que diz respeito a entender e respeitar seu propósito neste plano, mas como na relação e entendimento do mundo e da natureza, que é muito associada neste filme a feminilidade, no transformar e gerar a vida.

O filme faz um belíssimo trabalho ao apresentar a relação de Gawain como o sexo feminino, onde Alicia Vikander brilha em sua versatilidade.

A personagem de Alicia apresenta situações, explicitando percepções que Gawain tem do sexo feminino e como ela muda ao longo de sua jornada, a personagem de Alicia carrega um grande peso simbolico em refletir as percepções que Gawain tem em relação a propria mortalidade e com o feminino, tanto no contexto maternal (no caso o materno “mãe natureza”) quanto marital.

O Cavaleiro Verde na história, carrega esse simbolismo de ser um servo da natureza ou a própria vontade da natureza materializada em entidade, convocado ou convidado pela própria mãe do rapaz, como um pedido de ajuda para guiar o filho para a maturidade. O desafio ou enigma que ele apresenta para os membros da corte do rei Arthur carrega grande esse dito “simbolismo do feminino”, o Cavaleiro Verde  se recusa a desferir o primeiro golpe no duelo, e ao invés disso, baixa sua guarda e até oferece o pescoço para Gawain.

A ansiedade para se provar valioso e masculino, leva-o a decisões inconsequentes, forçando Gawain a seguir em uma jornada de amadurecimento e encontrar face a face as consequências das escolhas, aceitar a mortalidade e a verdade final, que o tempo neste plano é limitado.

Esse filme me tocou muito nesse aspecto de lembrar e aceitar que o tempo vai acabar, que não vamos durar para sempre e que de certo modo, isso é muito bonito mesmo assim. Algumas cenas me emocionaram de maneira melancólica, em especial, a que ele se vê preso na floresta após uma emboscada de ladrões na estrada. Depois de ter sua espada roubada e de ser capturado, Gawain é amarrado numa árvore, onde a câmera enquadra sua breve luta para se desamarrar, até que por um instante desiste de se debater. A câmera lentamente tira o enquadro do protagonista, e mostra os arredores da clareira, enquanto começa sutilmente  girar sentido horário, enquanto a câmera apresenta a vegetação da clareira que muda aceleradamente, ilustrando a passagem das estações. Completando o giro de 360 graus, reencontra o personagem, que agora é apenas uma pilha de ossos junto o que sobrou das roupas e das cordas que o amarravam.  Em seguida, somos apresentados ao processo reverso, revelando que toda a montagem simbolizava uma hipótese, uma representação de reflexão sobre o que pode ser e o que será, contextualizado narrativamente como algo dentro do nosso campo de agência e a importância de nossas ações.

O monólogo da Alicia Vikander em especial foi algo emocionante para mim, quando fala do verde como a força da natureza, que retoma tudo e a todos no fim, pedra, carne, ossos e virtudes. Essa parte do texto foi escrita com muita finesse e me deixou reflexivo por dias. 

Dev Patel também está de parabéns, ficou muito legal o jeito de um rapaz inocente entendendo as lições propostas em sua jornada. As recorrências gestuais de Gawain sendo amparado sempre com um toque gentil no rosto, por quase todo mundo que interage com ele, soam como pontuações a cada lição que lhe é apresentada, do rei ao ladrão, todos tocam Gawain no rosto com a mesma suavidade e gentileza, remetendo ou reforçando as questões de ressignificação do feminino como parte do processo de amadurecimento de “menino para homem”.

Green Knight é um ótimo exemplar do que os próximos anos vão nos mostrar em termos de cinema pós-dissolução de gêneros. Produzido pela A24, uma produtora notória no meio dos cinéfilos por produzirem filmes com mais elasticidade criativa nessa questão experimental da mídia. Como em A Bruxa (The VVitch) subvertem o processo de maturidade de Thomasin (Anya-Taylor Joy) através de uma juventude traumática numa configuração mais terror/suspense , Green Knight é uma pequena subversão do gênero coming-of-age em uma fusão com o gênero fantasia. Feito de uma maneira muito sensível e bonita.