Confesso que comprei o Succession quando me falaram que era dos mesmo produtores da A Grande Aposta (The Big Short), que é um filme que faz um trabalho incrível em condensar a narrativa que levou ao colapso do mercado imobiliário americano em 2008 – um evento que provavelmente seria maçante de entender em seus termos mais jurídicos e financeiros. Em Succession temos algo com o mesmo sabor – essa visão mais interna das relações e processos que levam de uma coisa a outra, só que na esfera dos conglomerados e startups de mídia e comunicação.
Já de início, no primeiro capítulo, a série coloca na mesa a planta baixa do que será abordado no enredo. Logan Roy, o CEO/Fundador de um mega conglomerado de mídia (mídia tradicional, como a própria série gosta de frisar), a WAYSTAR ROYCO, está em vias de partir dessa para melhor (ou pelo menos dá-se a entender isso) e entende-se que estava tudo acertado para um dos filhos assumir o cargo de CEO, Kendall Roy. Mas, nos quarenta e cinco minutos do segundo tempo, ao invés de passar a tocha para o filho mais velho, como aparentemente estava acertado que seria, o velho resolve meter o louco e, em seu aniversário, pediu de presente aos quatro filhos, Connor, Kendall, Siobhan e Romulus, que assinassem um documento onde basicamente concedem mais poder nos trâmites legais da empresa para a esposa de Logan, Marcy, meio que tornando filhos candidatos à cadeira de big boss da empresa.
Daí em diante, é o pior do que uma dinâmica familiar tóxica pode nos presentear aos olho e ouvidos, pois o velho Logan Roy começa a pilhar todos os filhos uns contra os outros, numa espécie de competição pela cadeira, nunca deixando claro quem tem reais chances de se tornar o herdeiro do império. Uma hora o velho simpatiza mais com um, outra ele troca de idéia e começa a favorecer outro, passando a impressão de que ele não pensa muito ou não se importa tanto pelo processo de transição de liderança – pelo menos não mais do que a diversão de colocar os filhos se degladiando pela posição, no que seria algo com uma energia muito na linha do Saturno (ou Cronos) devorando sua própria prole.
Durante as 2 temporadas e meia, vemos o que cada filho é capaz de fazer para conseguir esse objetivo, e também o que ele consegue fazer com cada filho em termos de jogos psicológicos e emocionais.
A série traz à mesa uma categoria específica de drama que acredito que todos aqui adoram, que é ver bilionários sofrendo. A série traz essa certa subversão de wealth-porn: os cenários e localidades onde os diálogos e dramas são vividos quase sempre são mansões luxuosas, iates gigantes em alto mar, clubes, helicópteros, jatinhos etc. Localidades onde os personagens nunca parecem estar felizes ou satisfeitos – os filhos e demais associados estão sempre ansiosos, à beira de um ataque de nervos e completamente miseráveis emocionalmente. Ninguém nunca está feliz, pelo menos não por mais de duas cenas. Os filhos parecem estar sempre dançando a música que o pai toca, uma espécie de promoção de desconfiança e ódio entre irmãos. Entende-se que, na verdade, é apenas uma lógica de gestão geracional, de sobrevivência do mais forte: ele quer colocar em seu lugar alguém tão amoral e impiedoso quanto ele próprio.
Por trás do drama familiar temos no enredo comentários e paralelos com situações bem atuais do panorama de mídia de massa tradicional e sua queda perante os novos canais e modelos de consumo de informação. Os roteiristas expõem de maneira sutil essa ruptura dos antigos meios de comunicação e, como ocorre nos bastidores, as estratégias de aquisições e sociedades com os novos gigantes da tecnologia e comunicação. Também expõe moderadamente algumas lógicas de lobby político e a influência dessas mega corporações no processo eleitoral americano (e do resto do mundo). Por exemplo, além das ligações que o próprio Logan Roy faz diretamente ao presidente dos Estados Unidos, em um dos capítulos fica claro que a empresa WAYSTAR ROYCO tem participação vital na seleção de possíveis candidatos à presidência, onde, numa festa particular, membros da família e da mesa de shareholders fazem uma peneira dos candidatos que mais vão contribuir com os planos da empresa.
A série apresenta personagens cativantes e, por mais distante que seja de nossa realidade econômica, eles conseguem expor características que não os tornam impossíveis de se identificar e empatizar – pelo menos no que diz respeito a algumas vivências parentais menos “adequadas”. O sentimento constante é o de constrangimento, principalmente nas palavras afiadas que a toda hora o pai dispara contra os filhos que, por sua vez, realizam manobras muitas vezes vexatórias para conseguir um possível voto de confiança do pai, enquanto se acotovelam pelo favoritismo.
Além dos personagens que compõem o núcleo duro do círculo familiar temos os agregados e sócios. Destes, o que mais brilha pra mim é o primo Greg, que cai de paraquedas no meio da guerra que Logan Roy promove entre os filhos. O primo Greg é um parente relativamente distante que, depois de ser demitido de um dos parques da franquia da empresa da família Roy, segue o conselho da mãe e viaja para Nova Iorque com objetivo de consertar sua situação empregatícia, falando diretamente com seu tio-avô Logan, que acaba colocando o rapaz num cargo muito acima do que acabou de ser demitido.
O desenvolvimento de Greg de um completo perdido para um completo perdido que domina o dialeto corporativo é, ouso dizer, 50% da diversão da série – aliás, é o personagem com maior proximidade de nossa esfera socioeconômica, agindo como uma espécie de âncora de “realidade material”. A dinâmica de poder e abuso, ou a transferência de abuso presente entre todos os personagens da série, fica bem nítida na relação de alguns personagens. O primo Greg – termo que todos os personagens usam para se referir a ele -, se torna assistente do marido de Siobhan Roy, Tom Wambsgans. Logan menospreza sua filha que, por sua vez, abusa moralmente do marido Tom que, por sua vez, usa o primo Greg para dar vazão à sua frustração hierárquica. Essa dinâmica é apenas uma das diversas que seguem a mesma lógica, uma espécie de showcase de Paulo Freire, onde todo o oprimido de uma cena está oprimindo alguém na cena seguinte.
Succession com certeza é daquelas séries imperdíveis para quem gosta de um bom humor de constrangimento e ver dramatizações dos bastidores de corporações e seus jogadores. Atualmente em sua terceira temporada, a série já acumulou alguns prêmios e nomeações, e até agora mantém sua substância. As jogadas de poder ficam mais ousadas e os escândalos mais escandalosos, tudo sempre acompanhado de cenas e diálogos constrangedores e absurdos.